quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Sobre a audiência pública com a reitoria



Ontem, terça feira, ocorreu no Cine Arte UFF a audiência pública com o reitor Roberto Salles, que havia sido uma das pautas acordadas para a desocupação do prédio da reitoria. Estavam em pauta o REUNI e a construção da moradia estudantil, uma reivindicação antiga do movimento estudantil na UFF, pela qual se dá um acampamento no campus do Gragoatá há cerca de 1 ano e 7 meses. É importante lembrar que diversas vezes a reitoria já fez acordos e assinou compromissos no sentido da construção da moradia, mas que até hoje ela não saiu do papel.



A audiência se iniciou com uma apresentação bastante rápida do pontos principais do resumo do projeto do REUNI-UFF, mostrado em slides num data show aos presentes.
Após essa apresentação, o reitor apresentou um suposto cronograma da construção da moradia, onde ele propunha, dentre outros, uma bolsa provisória para os membros do acampamento e a reconvocação da comissão que discutia o projeto da moradia (considerando que ainda haveria muita discussão a ser feita em termos burocráticos). Nesse cronograma, o reitor propôs que o acampamento saísse do campus do Gragoatá em 45 dias, simultaneamente à reconvocação da comissão pra discutir o projeto.
Não foi a primeira vez que a reitoria propôs esse cronograma protelatório, e não foi a primeira vez que os estudantes acampados o recusaram. Os membros do acampamento fizeram ato simbólico: todos trajavam preto e carregavam uma enorme faixa preta, além de portarem cartazes escritos "Fora Salles, REUNI não", entre outros. A professora Maria Lúcia, da Educação, narrou o episódio em que a administração da universidade negou o pedido de colocar as barracas do acampamento na varanda do banedejão, que é coberta, durante o forte temporal que assolou o estado do Rio na semana passada, evidenciando as condições precárias em que se encontram os acampados.

Já o professor Sérgio Mendonça, da Matemática, ferrenho defensor do REUNI na UFF - inclusive militando por ele em comunidades do Orkut - fez um discurso muito coerente com o que se esperava dele. Parabenizou o reitor pela atitude de chamar a polícia federal para cima do movimento estudantil, no sentido de "evitar ações dos movimentos autoritários patrocinados por partidos políticos" na universidade, em tentativa clara de criminalizar os movimentos sociais. Além disso, colocou, paradoxalmente, que o projeto REUNI-UFF era um projeto autônomo em relação ao Reuni, que pode sofrer as alterações necessárias, contanto que não se desvincule do decreto para que, assim, a verba seja liberada.



Uma peculiaridade da audiência pública foi um grupo relativamente expressivo de pessoas que parecia "torcer" pela reitoria. Aplausos fervorosos foram direcionados à fala do professor Sérgio. Já quando o estudante Madureira, do DCE, falou que "achamos que o pobre deve entrar na universidade de cabeça erguida, pela porta da frente, não pela porta dos fundos", recebeu vaias desse grupo. Até gritos como "nazista!" e "fascista!" foram direcionados a estudantes que posicionavam-se contrários ao REUNI. Os estudantes presentes ficaram se perguntando quem eram aquelas pessoas, nunca antes vista pela maioria em nenhum debate, em nenhum conselho universitário. Não aparentavam ser estudantes. Fica aí a questão em aberto - de onde o reitor tirou esse grupinho de apoio?

Contudo, a maioria esmagadora das falas foi, como de costume, contrária ao REUNI, e dessa vez acoplaram-se a ela inúmeras denúncias em relação à reitoria.

A campanha do reitor em 2005 foi lembrada por ele ter dito considerar um absurdo colocar a polícia contra os estudantes, no contexto da greve de 2005, chegando inclusive a disponibilizar seu próprio telefone para conversar com os estudantes. No entanto, Roberto Salles agora foge de qualquer tipo de diálogo, desde os debates promovidos pelo DCE, ao CUV e à negociação com o movimento de ocupação, e diz que, se processa o movimento estudantil e chama a polícia federal, faz isso em nome da liberdade na universidade e na defesa da maioria.

Membros da ADUFF explicitaram que o pacto político que havia entre a comunidade e a reitoria à época que se iniciaram os debates sobre o REUNI na universidade foi rompido por uma sucessão de golpes autoritários do reitor:

- a remarcação do Conselho Universitário (CUV) do dia 17/out para dia 24 - dia e que uma parte significativa do movimento estudantil da UFF estaria em Brasília na marcha nacional contra a Reforma Universitária (o que resultou na primeira ocupação da reitoria, na noite do dia 16, que conquistou a remarcação do CUV para dia 23/out pelo reitor em exercício, Emmanuel Andrade);
- a convocação do “conselhão”, que reune além do Conselho Universitário, o Conselho de Curadores e o Conselho de Ensino e Pesquisa, compostos majoritariamente por indicados diretos da reitoria, o que diminuiria ainda mais a participação dos estudantes na decisão. Segundo o estatuto da universidade, esse "conselhão" só deveria acontecer na eleição de reitor e vice-reitor (a convocação do conselhão foi revogada por pressão do DCE, da ADUFF e do SINTUFF);
- a suspensão do CUV do dia 23 logo após sua abertura.

Alertou-se para a retirada da questão do REUNI-UFF da pauta do Conselho Universitário e da sua passagem para a comissão de orçamento do PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional). Isso seria uma tentativa de aparentar uma desvinculação do projeto em relação ao decreto e de tirar a politização da discussão. Os três seguimentos contrários ao REUNI reivindicaram a convocação de um CUV extraordinário que tenha em pauta a adesão ao REUNI.

Os vários professores da ADUFF colocaram-se à disposição para discutir um projeto de reforma da universidade, mas fora dos marcos do decreto do REUNI. A professora Marina, de Serviço Social, lembrou que, ao contrário do que se diz, "nós já temos um projeto de universidade", que inclui assistência estudantil, contratação de pessoal, melhoria na infra-estrutura... entre tantos pontos que são observados nas lutas dos movimentos acadêmicos.

Após a série de denúncias e perguntas direcionadas ao reitor Roberto Salles fez o último pronunciamento da audiência. A intenção era disponibilizar o vídeo, mas como estamos tendo certas dificuldades técnicas, abaixo vai uma tentativa de transcrição do que foi dito.



"Nós temos a oportunidade de estar, junto com as outras 35 universidades, na mesa de negociação do REUNI. O projeto não é meu, o projeto é da universidade. Cabe à universidade decidir se quer ou não. Agora, se a universidade decidir que não, eu vou lamentar, porque a Universidade Federal Fluminense, uma das maiores do país, ficar fora de uma mesa de negociação, onde temos presente no Rio de Janeiro duas até agora - as maiores do país estão presentes - , eu acho que quem vai perder é a universidade. Agora, quanto a reunião do conselho, eu não escutei uma fala sequer defendendo o pensionista, o aposentado, que queria recorrer à reitoria - como uma senhora vir chorando que queria um documento de uma pensão; o aluno que procurou a reitoria nesses dias, o funcionário técnico-administrativo que não pôde entrar..."
"Podia sim! Podia sim!" [estudantes]*
"...dentro do processo democrático, nós temos que respeitar o disenso, é verdade. Agora, não podemos é aceitar intolerância. Como é que eu posso considerar normal uma reunião aqui, enquanto ali na frente ninguém podia entrar na universidade? Que democracia é essa? Eu desejei sempre o diálogo! Agora, não aceitaremos, não aceitaremos essas medidas de força de intimidação..."
"É isso aí!","Não aceitaremos! Não aceitaremos!" [estudantes]
"...35 mil pessoas, entre alunos, professores e funcionários, não podemos ficar reféns de uma minoria violenta..."
"Não podemos, não podemos!" [estudantes]
"...tendo respeito ao processo democrático. Então nós sempre conduziremos dessa maneira. Agora, o projeto; não é um projeto que eu quero, eu não defendo o governo. É o projeto da universidade! Agora, se a universidade não quer, nós vamos estar dispensando 185 MILHÕES de reais, estaremos também jogando fora em torno de 7% de vagas pra docentes (?) - não existe outra modalidade de entrada que não seja concurso público. Técnico administrativo também. Agora, nós vamos ter uma relação de mais ou menos 4 milhões para a política estudantil. Isso cabe à maioria da universidade decidir. A universidade não pode ficar refém de uma minoria..."
"Não pode não! Não pode!", "Vocês são a minoria!" [estudantes]
"... agora, o projeto foi encaminhado para o plano de desenvolvimento, o conselho universitário é soberano pode decidir muito bem o que é que ele vai querer; eu tô aqui pra conduzir o que a maioria da universidade pretende. Eu sou o reitor de todos, eu não sou o reitor de uma parte da universidade. Então estaremos sempre preparados para o diálogo em qualquer segmento. Muito obrigado pela presença de todos."

* Durante a ocupação da reitoria da UFF, nenhum trabalhador foi impedido de entrar no prédio e realizar suas tarefas. Os ocupantes fizeram questão de esclarecer junto aos funcionários que eles tinham total liberdade e segurança para entrar e trabalhar. O que ocorreu foi que os funcionários da reitoria, responsáveis pelas chaves das salas do prédio, foram instruídos a não abrir nenhuma sala. Isso para, no primeiro encontro dos estudantes com o reitor após a ocupação, ele acusar o movimento de impedir o exercício do trabalho pelos funcionários.

Um comentário:

Unknown disse...

Viva a jornalista Bárbara Araújo! \o/